Thursday, April 12, 2007

Deixa para amanhã o que podes fazer hoje

É final do mês... Setembro despede-se com graciosidade, com dias de um sol generoso e não excessivamente quente. Joey e Will já entraram na rotina dos seus dias, depois de uns dias de adaptação à realidade lisboeta e ao seu próprio novo espaço.
Hoje é sexta-feira. Will chega a casa a meio da tarde. Abre todas as janelas da casa, deixando entrar os raios de luz viva e a brisa morna que reconforta os alfacinhas e os turistas. Vai à cozinha, assobia qualquer música irreconhecível, come duas bolachas e bebe um copo de água fresca. Vai para o seu quarto, descalça-se, tira as calças e as meias...e atira-se para cima da cama em t-shirt e boxers. Suspira mas não fecha os olhos. Tal suspiro não revela um cansaço particular. Revela antes um frenesim interior, uma agitação corporal da qual não consegue desligar-se... talvez um apelo ainda calado. Subitamente, salta da cama, corre até à carteira...e vê o dinheiro de que ainda dispõe. "26 euros? Nada mau...". Decide então sair para a "night" lisboeta naquela sexta-feira à noite. Fica subitamente eufórico com a decisão tomada. E, curiosamente ou talvez não, aquele ligeiro desconforto de agitação interior dá lugar a um entusiasmo e uma sensação de bem-estar com a vida.
Tenta telefonar a Joey, para lhe propôr a saída. Joey não atende e só sairá do hospital mais tarde. Decide telefonar então ao seu amigo Miguel, com quem não estava há imenso tempo. Depois de ouvir do outro lado do telemóvel um "Olá, Will!" tão sonoro e bem-disposto, Will pensou para consigo "ok... vai ser fácil convencer este para uma noitada!".
- Hello, Migas! Estou em Lisboa! Tudo bem?
- Em Lisboa? A fazer o quê? O doutoramento?
- Ya... Depois conto-te! Já tenho casa cá e tudo...
- A sério? Hmmm... ...
Will apercebe-se do tom algo sugestivo deste "hmmm..." de Miguel. Antes que "Migas" pensasse que estava a ser convidado para um jantar nesta nova casa, acabando por comer à mesa e à cama, Will desata a cortar o raciocínio mais ou menos atrevido de Miguel:
- Estou cá a viver com um grande amigo meu... ... É... Mas depois eu conto-te. Estou-te a ligar porque quero ver se saio hoje à noite cá em Lisboa. Queria perguntar-te se não queres vir comigo...e com mais pessoal que possa surgir?
- Sim... quer dizer, só sairei do trabalho pelas 21h. Mas, depois posso, sim. Vou jantar a casa e depois saio contigo.
- ÓPTIMO! ... Eu chego a tua casa pelas 22h, pode ser? E depois vamos de tua casa para algum sítio. Que sugeres? o "Duque"?
- Duque seria excelente! Hoje à noite temos lá a "Festa do Fetiche".
- A sério? É que calha mesmo bem. Estou com uma vontade de ...fetichar. Eheheh!
- Ahahahah!... Eu também... ....
Will faz-se de despercebido no ressurgimento do tom sugestivamente "atrevidote" de Miguel neste "Eu também", e remata a conversa.
- Então, pronto, fica assim combinado. Vou desligar que ainda tenho que arranjar algum traje ou vestimenta para levar para a festa do Fetiche... Beijiiiiiiinhos.
- Pois... também vou ter que pensar. Um beijo grande.
Will desliga. Enquanto vai pousar o telemóvel no armário do quarto, sussura para si mesmo "Se pensas que vai haver pão para chouriço, estás muito enganado, meu amigo...". Depois, abre o guarda-roupa...e aprecia o cenário por momentos como quem admira uma pintura. Arranjar um traje sem gastar um tusco é complicado.
Mais tarde, são 19h45 e Joey chega a casa, cansado e com aquela estranha sensação de que o desodorizante que tem usado afinal não é "grande pistola". Avança pelo corredor da casa em direcção ao seu quarto. Quando se preparava para gritar "Boas, Mano!" ao passar pela porta do quarto deste, eis que Will lhe aparece com um sorriso de orelha a orelha, com um olhar de antecipação e EM TRAJES MENORES... ... ... isto é, vestido de miúdo colegial, com um calções clássicos azuis escuros, meias azuis compridas e subidas até quase aos joelhos, e uma camisa branca metida por dentro dos calções. As sapatilhas que calçava e o boné que cobria os seus caracóis eram os que Will usava habitualmente. O que Will não usava habitualmente era aquela maquiagem, no mínimo cómica, que simulava um rosto com sardas e com umas bochechas rosadas.
Joey fica boquiaberto ao deparar-se com o "cromo next door"...Sem antes largar uma gargalhada, Joey ainda ironiza:
- Porque me fazes isto? Sabes perfeitamente que me deixas louco quando te vestes assim...de Heidi!
- Ahahah! Estúpido! Estou vestido a colegial!
Joey desata (finalmente) a rir... ... ...
- Posso saber quem foi o senhor a quem fizeste o favor de ir comprar o jornal, para depois ficares com o troco e poderes comprar esse yo-yo que tens na mão?
- Oh! ... ... Estou assim vestido porque hoje é a Festa do Fetiche, no "Duque"!!! Vamos!!
- A Festa do Fetiche?? No Duque?? ... Qualquer noite é a festa do fetiche no Duque... ou qualquer outro bar ou discoteca da especialidade...
- Ahah!... Não sejas parvo.
- Tens razão... Enganei-me: nesses bares, qualquer noite é SIM a festa do "faço-te isso".
- Ahah! Anda lá... Vens??
- Nem penses!! Não estou com qualquer paciência para música aos berros, dançar só porque não há bancos para me sentar e chegar tarde a casa. Para além do facto de me sentir horrível hoje...
- Oh!... Horrível? ... ... é por causa desse cheiro a transpiração que exalas?...
Joey olha para o amigo com um ar que revela um misto de "vontade de lançar uma gargalhada" e de "vontade de lhe enfiar o yo-yo pelo ...". Will, por sua vez, adquire uma expressão de puto regila que sabe perfeitamente que está a ser cínico. Esta expressão acalma Joey repentinamente, que se deixa embevecer pela suavidade e pela comicidade daquele aspecto de Will. Dá-lhe um beijo na testa e segue para o seu quarto enquanto re-afirma:
- Estou muito cansado... Tenho um jantar combinado com o Sarmento. Não vou, desculpa.
Will segue Joey, não desistindo.
- Mas tu já me prometeste que vinhas comigo ao Duque e estás sempre a esquivar-te! Tens vergonha?
A primeira resposta de Joey seria um expressivo "Claro que não! Que estupidez!". No entanto, no momento em que se preparava para lançar a resposta (não ao vento mas sim à corrente de ar fortíssima que fazia naquela casa desde que Will abrira as janelas todas...), Joey vira-se para Will e é captado numa reapreciação da imagem daquele vulto com quase 27 anos e vestido de puto com um yo-yo na mão e com sardas falsas no rosto.
- É capaz de ser vergonha, realmente... ... ... - acaba por responder, com ironia.
Will percebe a ironia da piada, mas desvaloriza-a ao ponto de não retorquir.
- Oh...O Duque é tão fixe, maninho... Quando é que vens comigo?
- Não sei, Will! Amanhã, depois de amanhã... daqui a um mês... Hoje é que não!! Tive um dia de cão, morreu uma doente da minha equipa. Estou basicamente com a cabeça em água.
- No Duque, poderias pôr a cabeça... ou melhor, as cabeças noutras cenas... Ah, esquece! és comprometido!...
Joey não consegue conter a gargalhada, o que desejava que não acontecesse de forma a manter o rosto austero que precisava para que Will não o aborrecesse mais com tentativas "pró-Duque".
- Tens que me compreender, Will. Não estou com vontade nenhuma. Tu próprio não me irias querer como companhia, acredita!
- Ok, ok... Vou só com o Migas, então.
- Migas? hmmm...quem é?
- Um amigo meu aqui de Lisboa. Já nos conhecemos há uns poucos anos. Nada de grande amizade, mas é uma companhia divertida. Na realidade, nem é bem AMIGO. Digamos que é sub-amigo.
- E já comeste "migas"? - pergunta Joey, piscando o olho a Will, enquanto começa a despir-se para um banho que anseia desesperadamente.
Will faz uma expressão facial denunciadora. Encosta-se à parede do quarto e olha para a janela, enquanto confessa:
- Digamos que já provei "migas" uma vez, como entrada. Nunca cheguei a comer como prato principal. Fiquei-me mesmo pelas entradas.... .... Quer dizer, não foi houve entrada!! Valham-me os Deuses!! ... ... .. ... Como hei-de explicar?...
- Ficaste-te pelos aperitivos, é isso? - interrompe Joey, com um sorriso malandro.
- Exacto! É isso!... - sorri para Joey, com um olhar de boa cumplicidade. - Além disso, percebi que migas só dá mesmo para aperitivos... Acho que é algo que me enche pouco...
Joey vê mais uma oportunidade fabulosa de dar asas à sua ironia tão característica, quando, no máximo da sua frustração, é travado por Will:
- Sim, sim... mesmo na conotação dupla de "encher"!!
- Ahahahahahhah!... ... Sim, já percebi que és um "homem de muito alimento", como diz o povo. - diz Joey, desapertando os sapatos.
- Por acaso, até nem sou... Não como em grande quantidade. Eu gosto é de comida bem feita. Adoro massas, não migas. E detesto massas muito cozidas... que sabes que ficam muito moles... ... ... ... Eu gosto delas durinhas, "al dente"... ou seja, ao dente...
Joey faz uma pausa no seu ritual pré-duche. Olha para Will, tentando captar nele uma expressão atrevida. Não o consegue fazer.
- Agora no fim, estavas mesmo a falar de massas? - questiona-o.
- Não - responde Will, com uma aparente e artificial indiferença.
Joey solta umas quantas gargalhadas e Will deixa-o sozinho no seu quarto. Já no corredor, Will esboça um sorriso timidamente preverso.
- Bom banho, Joey! - grita antes de fechar a porta do seu quarto.
Do outro lado, Joey não responde. Apenas continua a rir.
20h40: Joey entra na cozinha com ar de frustração. Sarmento tinha um compromisso esquecido com amigos nesta noite e não poderia ir jantar somente com o namorado. Sarmento ainda o convidara para o acompanhar ao encontro de amigos. No entanto, Joey, depois de lidar com a morte durante o dia, estava visivelmente de humor deprimido, o que o tornava um tanto anti-social. Preferiu ficar em casa. Afinal, muita gente fica em casa numa sexta-feira à noite: os avosinhos, os pais de família após 10 anos de casamento, as crianças com menos de 10 anos, e o que estão doentes. É... realmente, estes todos ainda fazem uns quantos!! ...Joey estava disposto a assumir uma atitude de pai de família que via o seu jovem filho a sair para uma noite de discoteca com os amigos.
Quando entra na cozinha, encontra Will, sentado à mesa, a comer uma sopa de forma apressada. Will surpreende-se ao ver Joey equipado com um dos seus fatos de treino de usar em casa:
- Então, não vais com sair com o Sarmento?
- Não. Ligou-me agora a dizer que afinal tinha uma festa de aniversário de um dos amigos dele, que se esquecera quando marcou comigo o suposto jantar para hoje. Enfim, fica para amanhã.
- E então? Reconsideras a minha proposta?? - tenta Will pela última vez.
- Não, Will! Não vou mesmo contigo ao Duque. Estou mesmo a precisar de descansar. Por um lado, ainda bem que vou ficar em casa. Aproveito para relaxar e ver um pouco de tv, enquanto faço a minha própria marca nadegueira no sofá.
Joey sorri para Will, com um olhar visivelmente gasto. Já Will, praticamente em estado de "mania" a contrastar com o estado do seu companheiro de casa, aproveita para revelar um pouco mais da sua vida privada que poderia perfeitamente fazer parte dos "contos eróticos de um coelhinho de Leiria":
- Hmmm... eu já fiz as minhas próprias marcas nadegueiras em sofás...algures por aí... Mas, não foi certamente a ver tv!!
- Ahahah! - Joey lança uma gargalhada, bem menos sonora.
É curioso este aspecto de Joey: nota-se que está verdadeiramente cansado quando a sua gargalhada tem um tom mais baixo do que o habitual. Joey ri-se de forma muito expontânea, com um riso que direi que é pulsante, largo e honesto. E Will adora-o fazer rir. Joey, por sua vez, adora Will por isto (EM PARTE por isto, claro!).
Will acaba de comer a sopa e pousa o prato na banca. Olha para o relógio.
- Bem, eu depois lavo a loiça. Agora tenho que ir retocar a maquiagem.
- Hmmm... ... é tão sexy ouvir um homem dizer isso... - ironiza Joey.
- Ahahah! Estas sardas têm que se lhe diga! Que julgas?
- Acredito que sim.
- Só espero não ter frio nas pernas com estes calções merdosos... ... Bem, entretanto também devo encontrar quem me as aqueça... ... - diz Will, enquanto foge da cozinha.
- A parte que alguém te pode aquecer não vai ter frio: tem duas camadas de roupa por cima!
Do fundo do corredor, Will responde com descaramento:
- Duas?! Ya, fia-te na virgem!
Joey reage somente com um sorriso. Está notoriamente em baixo.
Will entretanto vai ao wc e, em frente ao espelho, repisa com um lápis as sardas que já pintara no rosto. Enquanto cumpre esta tarefa, relembra as possibilidades que tem de encontrar no Duque quem não quer (ou então quer encontrar, mas não devia querer). Uma delas é Hélio, um jovem rapaz da mesma idade, um menino giro da noite de Lisboa. Demasiado moreno, demasiado sorridente, demasido fashion, demasiado egocêntrico e demasiado "importante na sua própria realidade" para ter uma relação séria com Will. Hélio foi o último pesadelo da vida de Will e é uma das razões pelas quais Will tem receio de amar novamente. Nunca desenvolveram propriamente uma relação. Apenas uns encontros excessivamente românticos para serem considerados somente amigos. Numa altura, depois de regressar da Suécia, em que Will precisava de re-estruturar toda uma vida que construira em Portugal, Hélio não soube compreender e dar esse tempo e espaço. Afastou-se, obrigando Will a rastejar para que ele percorresse a distância de volta. Hélio, que é demasiado bonito para ser posto à espera, não voltou. Não se vêm nem se falam há meses.
Passados poucos minutos, Will está pronto para sair. Veste um impermeável fino por cima (tipo gabardine) sobre o traje.
- Já vais? - pergunta Joey, que entretanto já se sentara no sofá em frente à tv, com um prato ao colo e metade de uma sandes de alface e queijo na mão direita. - Vais com esse impermeável?
- Ya!! Ou achas que eu ia assim com este look de puto até casa do Migas?
- Oh! No metro vê-se cada maluco. Tenta ir na carruagem do metro com um senhor que fala sozinho! Com ele lá dentro, acredita que ninguém vai reparar em ti.
- O meu problema não é o metro! É mesmo porque vou passar pelo Parque Eduardo VII até chegar a casa do Migas!
Joey lança uma gargalhada seca.
- Tens a certeza que ficas bem? - pergunta Will.
- Claro que sim! Ainda por cima, vi agora que no episódio de hoje daquela série da Sic, a "Promete que nao vais ter uma aventura", o gajo tarado sexual da série anda desesperado e estou a ver se vai atirar ao melhor amigo.
Will faz um silêncio de 2 segundos.
- E não queres vir ao Duque? Lá podes ver cenas iguais a essa ...mas ao vivo!!
- Ahahahah! Por muito tentador que isso seja, ... ...ou então não!! ...prefiro manter-me distante e mirar apenas através da televisão.
- OK!!... Até logo então!! - Will despede-se.
- Até logo não... Até amanhã! E vê se te portas bem!... Não deixes qualquer um brincar com o teu yo-yo.
- Naaaa... se eles quiserem brincar com o meu brinquedo, vou-lhes dizer: "Se vocês querem brincar com isto, primeiro têm que brincar com yo!! yo!! (eu!! eu!!)" - goza Will, apontando para si mesmo.
- Ahahah! ...
- Eu também vou acima e abaixo, se tiverem jeitinho.... tal como um yoyo...
- Ahahahahhahahahah! Andas com umas piadas muito giras...
- Ya! Nem percebo porque ainda estou solteiro e sem namorado!! Eu faço a vida de qualquer um ser mais gira!
Joey volta a rir, desta vez mais animado.
- Até logo, maninho!! E não bebas muito, a sério!....
- Ok, senhor Doutor! Beijocas!!
Will fecha a porta. Entra no elevador e observa-se ao espelho do elevador mais uma vez enquanto pensa "ok... nem acredito que vou assim para o metro... mas não há-de ser nada!".
Entretanto, Joey reencosta-se ao sofá e decide voltar a atacar a sandes. Antes de cravar sequer seus dentes no suave pão de forma, o seu telemóvel apita dentro do bolso da sua camisola. Trata-se de uma sms de Sarmento a dizer algo tão simples como "Fazes-me falta, em qualquer altura... Amo-te!". Joey sorri com ternura. Decide responder mais tarde à sms, quando já estiver deitado e pronto para adormecer agarrado à almofada. Depois da sms, ganha um pouco mais de alma... e ataca a sandes com toda a volúpia. Olha novamente para a tv...e esboça mais um sorriso tímido, enquanto mastiga. Nota-se claramente que este sorriso nada tem a ver com algo que passa na tv... ... ...

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