Thursday, April 12, 2007

Lisboa tem mais encanto na hora da chegada

Joey pára em frente à porta do prédio onde irá habitar nos próximos tempos. Carregado, com uma mochila às costas que praticamente desfazem os seus ombros lentamente e com duas malas castanhas - uma de cada lado das suas pernas - , faz uma pausa para apreciar melhor o prédio e a rua que farão parte desta nova etapa da sua vida. Deixa-se levar, por momentos, por um esquema de pensamento um tanto melodramático do género "Esta rua ver-me-à a correr de manhã, ver-me-à a chegar cansado a casa... ver-me-à a chegar a casa a sorrir, ver-me-à a olhar pela janela a olhar para ela... ver-me-à a crescer e a amadurecer...ver-me, enfim, a transformar-me em senhor do meu nariz...". Enfim, algo muito ao género de filme lamechas americano. Sou capaz até de adivinhar que uma musiquinha imaginária com piano e violino lhe passava bem aos ouvidos, na altura em que ele embarcou naquela corrente de pensamento... Joey é um bocado assim: capta os momentos, agarra-se a eles (aos momentos!! ...)... ... ... esconde-se no tempo, porque o tempo tem asas... (ok, isto já é outra onda musical...). Como dizia, Joey é um tanto sonhador e vive da captação de momentos, que mais tarde irá recordar. Este momento da chegada a sua nova casa, exactamente da mesma maneira que o fará todos os fins de dia de trabalho nos próximos meses, é especial para ele.
O sol brilha neste dia de setembro, felizmente não muito quente (porque Joey transpira com imensa facilidade.... talvez pelo facto de ser um homem muito quente... ... consta, consta...). Joey lá acorda para o mundo real e resolve tocar à campainha do 5ºDir, o apartamento que partilhará com Will, que entretanto já tivera chegado. Enquanto espera que Will lhe abra a porta do prédio, Joey vê a sua imagem refletida no vidro da porta, ajeita o cabelo e ainda tem tempo para pensar "Deixar o Will sozinho numa casa por decorar não foi muito boa ideia. Neste momento, já tenho uma múmia pagã como elemento central da decoração da sala... ... Tou f*dido!". Will lá abre depois de dizer um "Oláaaaaaa!" muito efusivo através do intercomunicador. Joey pensa "ok, está eufórico! Está mesmo excitado com a decoração! Estou mesmo lixado!". Enquanto entra para o hall do prédio, prendendo a porta com um dos pés e puxando as malas de fora para dentro, um cachorro vem das escadas e corre até ele para o cheirar. O cão nao o chateia muito e segue para a rua. Logo a seguir, aparece das escadas um vulto (o dono do cachorro, claro está)com uma coleira na mão. O vulto é aquele vizinho todo jeitoso que todo o prédio deve ter. Aparenta ter aquela idade que ronda os 24 ou 25anos, é ligeiramente mais baixo do que Joey (algo em torno dos 1,78m), tem cabelos meio aloirados e compridos... um aspecto misto entre surfista de mar e surfista da net. Tem uns óculos de sol bem largos que tapam quase a face toda, umas calças de ganga largas e uma t-shirt meio rosa com tema alusivo a uma das marcas da moda (Calvin Klein, talvez...). Esboça um sorriso tímido e saí. Joey também sorri mas pouco lhe olha. No entanto, os míninos dois segundos que desviou os seus olhos para esse vulto foram suficientes para perceber algo tão simples "Óculos e t-shirt ... aprovadamente gay. Ar de surfista e uma coleira na mão...aprovadamente para Will".
Joey lá se mete no elevador, que já não vai para novo (tem aí uns 10 anos). Enquanto sobe, pesquisa a data da última inspecção ao elevador. Lê numa pequena placa que a ultima revisão foi em Junho deste mesmo ano. Tal tranquiliza-o. Sai no 5ºandar. O Will já está à porta e vem logo ajudá-lo, gritando da porta "MANIIIIIIIINHOOOOOOOOOOOO!!". É... maninho... Will e Joey tratam-se por manos. Uma pirosada muito comum entre a malta jovem. Vocês próprios, caros leitores, terão alguém a quem tratam por "mano". Sim, vocês são pirosos também. Mas, deixei-me dizer que eu também sou piroso... porque eu também trato ... Bem, eu sou o narrador e o protagonismo tem que ser todo de Joey e Will.
Depois de um abraço, Joey acaba por dispensar a ajuda de Will e entra para casa. Vão logo para a sala, onde Joey descarrega as malas e tira a mochila dos ombros, esticando-se todo. Enquanto se estica, repara que realmente já tem uma das figuras em barro pagãs de Will em cima da mesa da sala... Tal figura não é bem uma múmia mas sim uma imagem que simboliza o seu Deus da Fertilidade. Basicamente, trata-se de uma escultura em barro, de um corpo masculino bem constituído e com um pénis desproporcionalmente grande erecto.
- Não estás a pensar usar ali o deus da fertilidade como decoração da sala, pois não? - pergunta Joey, esperando ouvir um "não".
- Não, não... Pousei ali por uns tempos, porque ainda estou a arrumar o meu quarto. Vai para um espaço do meu quarto, no qual farei um altar de culto.
- Pois... ... Não sei bem se isso é demasiado gay ou se é simplesmente pagão...
Will ri-se. Desvaloriza a provocação.
- Então?...FINALMENTE SÓS!! - e volta a rir.
- Finalmente sós, não...que eu já percebi que vamos estar sempre rodeados de vizinhos com bom aspecto... Encontrei há bocado um vizinho nosso lá no hall de entrada, que tem...
- um cão???
- Sim...exacto.
- SIM!! já tive prazer de o ver!... algo que me diz que o cão não vai ser o único de gatas naquela casa...
Joey desata a rir.
- Pode ser que tenhas sorte...
- Sim, é giro! ... Se bem que a minha prioridade agora é outra. A minha prioridade está na faculdade!
- Sim sim... claro.... estou mesmo a ver que só vais estudar para o doutoramento nestes tempos!!... ... ... Sobretudo depois de uma temporada a seco em Leiria.... - Joey ironiza.
- Hoje fui à secretaria da faculdade tratar da papelada para o doutoramento. Enquanto esperava na fila pela minha vez, reparei que estava também um rapazito muito interessante na fila, logo atrás de mim.
- Pois... interessa-te realmente que eles fiquem "atrás" de ti...
- Ahahah!... Ora nem mais!... ... Bom, o que é certo é que eu vi-o com três amigas e depois de uns poucos segundos, lá trocámos uns olhares. Não nos falámos, no entanto. Enfim, aguardo os próximos capítulos.
- Pois...estás a ver?? Que tem isso a ver com o doutoramento e com a tua prioridade?
- Desculpa lá... mas eu disse-te que a minha prioridade estava NA faculdade. Ele está na faculdade. É lá aluno.
Joey ri-se novamente e suspira. Vai abrir mais a janela da sala, que dá para a varanda (que por sua vez dá para a rua) ... e vai-se sentar num dos dois sofás da D. Amélia (a senhoria).
- Estes sofás são confortáveis! Que bom! A Amélia sabe escolher...
Will senta-se também, no outro sofá (maior e com lugar para 3 pessoas). Concorda com o comentário de Joey. Aguenta-se sentado poucos segundos. Deita-se logo a seguir.
Ambos fazem uma pausa, um silêncio, olhando vagamente para a decoração pobre e natural da sala...como se ambos estivessem a assimilar os "finalmentes" de um compromisso com a vida que ambos acabaram de assumir. Joey encosta-se melhor, dobra a perna com o tornozelo direito sobre o joelho esquerdo... e pergunta a Will pelas andanças em torno do doutoramento. Will começa a explicar as últimas novidades, olhando para o tecto e gesticulando.
Entretanto, uma brisa de oeste entra pela janela da sala, arejando e decompondo os últimos vestígios olfactivos de gentes que anteriormente habitaram aquele espaço com dois quartos, dois wcs, uma sala e uma cozinha. Olhando para eles a falar, ... ... parecem felizes!

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